Feliz quem tem uma PEDRA em SAGRES

Palavras-chave | Keywords

"Boca do Rio" "Ermida da Guadalupe" "Farol de São Vicente" "Fauna e Flora" "Fortaleza de Sagres" "Gentes & Paisagens" "Gentes de Vila do Bispo" "Geologia e Paleontologia" "História do Mês" "Martinhal" "Menires de Vila do Bispo" "Paisagens de Vila do Bispo" "Tales from the Past" "Vale de Boi" 3D Abrigo Antiguidade Clássica Apicultura ArqueoAstronomia Arqueologia Experimental Arqueologia Industrial Arqueologia Pública Arqueologia Subaquática Arquitectura arte Arte Rupestre Artefactos Baleeira Barão de São Miguel Base de Dados Bibliografia biodiversidade Budens Burgau Calcolítico Carta Arqueológica de Vila do Bispo Cartografia Cetárias Cista CIVB-Centro de Interpretação de Vila do Bispo Complexo industrial Concheiro Conservação e Restauro Descobrimentos Divulgação Educação Patrimonial EPAC Escolas & Paisagens de Vila do Bispo Espeleo-Arqueologia Estacio da Veiga Estela-menir Etnografia Exposição Figueira Filme Forte Fotografia Geographia Grutas Homem de Neandertal Idade Contemporânea Idade do Bronze Idade do Ferro Idade Média Idade Moderna Iluminados Passeios Nocturnos Ingrina Islâmico Landscape marisqueio Medieval-Cristão Megalitismo menires Mesolítico Mirense mitos & lendas Moçarabe Moinhos Museologia Navegação Necrópole Neo-Calcolítico Neolítico Neolítico Antigo NIA-VB Paleolítico Património Edificado Património natural Património partilhado Pedralva Pesca Povoado Pré-história Proto-história Raposeira Recinto Megalítico/Cromeleque Referências RMA Romano Roteiro Sagrado Sagres Salema Santos Rocha São Vicente Seascape Toponímia Vila do Bispo Villa Romana
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Arqueologia de Vila do Bispo em BD | "Tales from the Past"

Apresentamos aqui um projecto, em fase inicial de desenvolvimento, surgido do diálogo entre um arqueólogo e um artista ilustrador, entre a investigação e a criatividade, entre a informação científica e a ilustração em "banda desenhada", simbiose da qual emerge uma alternativa linguagem interpretativa que permite comunicar, de forma visual e mais directa, apontamentos arqueológicos relativos às mais remotas actividades humanas no território do actual Concelho de Vila do Bispo.
Com grande riqueza, designadamente no que ao património histórico diz respeito, a nossa região conta já com mais de 300 realidades arqueológicas assinaladas, tanto em ambiente terrestre como em meio subaquático, desde artefactos, a monumentos, povoados e necrópoles, provas materiais de uma remotíssima e contínua presença humana que recua, pelo menos, há 27.000 anos. 
Adquirido este extenso inventário arqueológico, constituído por fragmentos de diversas épocas, entre o Paleolítico e a Idade Moderna, falta, porém, uma inédita leitura integrada dos dados coligidos e a efectiva compreensão da sequência e ritmos da ocupação humana neste território, ao longo de todos os tempos.
Esta tarefa conduzirá, necessariamente, à construção de uma narrativa histórica, num discurso científico e coerente, que, numa perspectiva de Arqueologia Pública e de retorno social, poderá ser alinhavado por intemporais traços de identidade cultural, que convidam as gentes de Vila do Bispo a transpor uma ponte para o seu passado e a reconhecer as suas origens comuns - um Passado presente e com Futuro!
O projecto agora apresentado revela-se como um dos possíveis formatos de comunicação e partilha dessa narrativa, ilustrativa das origens ancestrais do povo de Vila do Bispo.
Interessante será referir uma curiosidade (entre outras) neste processo: Vítor Fragoso, o criativo artista local, responsável pelas ilustrações deste projecto, é um assumido explorador de temáticas futuristas, em toda a sua complexidade visionária, em que a imaginação assume um papel preponderante no exercício de projecção de realidades distantes e enigmáticas. Depara-se então um novo desafio. Mas, considerando a distância temporal com um passado de mais de duas dezenas de milénios, não será esse passado, que pretendemos retratar, mais desafiante que um futuro até certo ponto previsível? Não será a investigação arqueológica, de certa forma, uma metalinguagem inspiradora, uma preditiva fonte de antecipação de um futuro não muito distante?... "a História repete-se" !
Aqui ficam, então, alguns esboços preliminares, algumas pequenas (grandes) histórias do nosso passado, e porque algumas imagens falam mais que 1000 palavras...

Ilustrações de Vítor Fragoso
Orientação científica e textos de Ricardo Soares





A maior e uma mais significativas jazidas paleolíticas do sul de Portugal situa-se precisamente no nosso concelho, no abrigo de Vale de Boi, em Budens. Identificado em 1998, foi desde então objecto de regulares campanhas arqueológicas, realizadas por equipas de arqueologia da Universidade do Algarve, coordenadas pelo Professor Nuno Bicho, contando com diversos patrocínios à investigação, nomeadamente do Instituto Português de Arqueologia, da Fundação para a Ciência e Tecnologia, do Archaeological Institute of America e da National Geographic Society; e com variados estudos pluridisciplinares, envolvendo investigadores nacionais e estrangeiros, que têm vindo a partilhar os resultados dos seus trabalhos na forma de artigos, teses académicas e comunicações.
A investigação da jazida de Vale de Boi foi assim desvendando uma importantíssima sequência estratigráfica, com registos que remetem para uma praticamente contínua presença humana, entre o Paleolítico Superior e o Neolítico Antigo, mais precisamente, entre os 27.720 e os 6.000 anos antes do presente (Bicho, 2004, 2006; Bicho et al., 2003; Carvalho et al., 2005; Stiner, 2003), um período no qual se marca a mais antiga datação radiocarbónica sobre vestígios humanos em terras algarvias e onde se distingue os traços culturais das comunidades que nestas paragens protagonizaram a transição do Paleolítico para o Neolítico, ou seja, o Período Mesolítico. Tendo em conta que a estratigrafia arqueológica ainda não foi integralmente escavada, até à sua base geológica, a probabilidade de se vir a obter datações mais antigas para este sítio é bastante elevada.
Os dados recolhidos até à data permitiram reconhecer as sucessivas ocupações de grupos de caçadores-recolectores, de mais de uma dezena de indivíduos, com uma estrutura económica complexa que inclui contactos e trocas inter-regionais, a longas distâncias, patentes na ocorrência de matérias-primas exóticas, importadas de distâncias superiores aos 1000 km, o que demonstra a amplitude de circulação destas sociedades, convencionalmente tidas como “primitivas”.
A escolha deste local para a implantação de comunidades de caçadores-recolectores-marisqueiros deverá relacionar-se com o facto de, a cerca de 100 metros, ter ali existido uma lagoa ligada ao mar, que funcionaria como área de pesca, com fácil acesso à costa, e pólo de atracção de animais diversos. A partir do abrigo sob pala rochosa, num ponto mais elevado que coroa a serrania, seria possível dominar visualmente a caça que saciava a sede nas águas subjacentes.
Os vestígios arqueológicos concentram-se sob a pala do abrigo calcário, parcialmente colapsada na actualidade, estendendo-se pelo suave declive, em áreas de despejo de lixos que oferecem aos arqueólogos preciosas informações acerca dos hábitos quotidianos destes nossos antepassados.
De entre a abundante e diversificada informação exumada em Vale de Boi, destaca-se a excepcional preservação orgânica dos ecofactos (ossos e conchas), as pontas de seta do Solutrense (com 20.000 anos) e um interessante conjunto de artefactos de adorno e de matriz artística, designadamente produzidos sobre osso e conchas perfuradas, utilizadas como contas de colar. Mas, até à data, o mais impressionante elemento artefactual trazido à luz nas escavações foi, de longe, um objecto de arte móvel, uma rara placa de xisto, com menos de 20 cm de largura, gravada com três desenhos sobrepostos com representações de animais selvagens herbívoros: uma cabra, um cavalo e um auroque (uma espécie de grande boi selvagem, já extinta).
Uma vez mais, surgem claros indicadores da importância do marisqueio para as economias locais. Uma parte substancial da dieta das gentes de Vale de Boi baseou-se no consumo de recursos marinhos, uma constatação relativamente excepcional, pois não tem sido essa a regra verificada em diversos sítios arqueológicos paleolíticos estudados um pouco por todo o mundo, onde, por comparação, a caça domina largamente.
Neste sítio foram recuperados abundantes restos de conchas, de diversas espécies: mexilhão, lapa, vieira, berbigão, amêijoas, caracóis marinhos e de água doce, búzios e percebes. A actividade pesqueira foi residualmente detectada pela ocorrência de vértebras de cação. No que respeita à caça, foram registados restos ósseos de coelho, lebre, raposa, cabra, javali, perdiz e águia-real. Interessante será verificar que, juntamente com estas espécies selvagens, relativamente vulgares, foram isoladas outras, já não existentes na região, como o veado, o lobo, o urso, o lince, o burro, o cavalo e o auroque; mas também algumas, mais improváveis, como o golfinho (ou baleia) e o leão! Relativamente aos ossos de águia-real, devem remeter para a utilização de penas enquanto elementos de adorno ou para guias de flechas.
Analisados os vestígios faunísticos de Vale de Boi, salta à vista a ampla diversidade de recursos alimentares explorados por estas comunidades paleolíticas, obtidos no marisqueio, na pesca e na caça, sendo ainda e naturalmente de admitir a recolecção de vegetais e de frutos silvestres, ecofactos difíceis de detectar pois os seus indícios raramente sobrevivem para o registo arqueológico.
Para fechar este já farto menu, em jeito de “sobremesa”, não se reserva uma “cereja no topo de um bolo”, mas sim... dois batráquios. Estes nossos antepassados eram realmente “bons garfos”... até se deliciavam com sapos... as coisas que os arqueólogos descobrem!
Os estudos paleoambientais nestas jazidas permitem reconstituir as paisagens de épocas ancestrais, designadamente a sua fauna e a sua flora, num momento em que o ambiente começava a estabilizar no sentido de um quadro para nós mais familiar. Os dados paleovegetais colectados em Vale de Boi, mas também no concheiro da Pedra das Gaivotas, em Sagres (Figueiral e Carvalho, 2006), e no concheiro do Castelejo (Soares e Silva, 2004), revelaram a presença do zambujeiro, como coberto arbóreo mais frequente na Costa de Sagres durante o Mesolítico e o Neolítico Antigo, mas também do sobreiro, do zimbro, da aroeira, do medronheiro e da cornalheira – um coberto vegetal muito semelhante ao actual, pelo menos nas áreas menos afectadas pela acção agrícola.
A agenda da investigação para a jazida de Vale de Boi inclui, para as próximas campanhas de escavação, um dos temas mais “populares” do panorama arqueológico internacional dos últimos anos – a verificação de uma muito provável presença do Homo de Neandertal (1nestas paragens. Trata-se de uma questão de grande interesse e pertinência pois, sabe-se, que o extremo sudoeste da Península Ibérica terá constituído um dos últimos redutos continentais para esta espécie contemporânea dos primeiros Homo sapiens, o Homem Moderno... nós! A identificação e estudo de vestígios Neandertais poderá clarificar a problemática do seu desaparecimento: por assimilação genética pela nossa espécie, ou extinção por pressão humana?


(1) O Homem de Neandertal (Homo neanderthalensis) é uma espécie extinta do género Homo, que habitou a Europa e algumas áreas do oeste asiático entre 200.000 anos e aproximadamente 28.000 anos atrás, tendo coexistido com a nossa espécie, os Homo sapiens. Em Portugal encontram-se registadas algumas jazidas que atestam a sua presença neste extremo continental. Alguns investigadores consideram o Homem de Neandertal nosso antepassado directo na linha de evolução, enquanto subespécie de do Homo sapiens, uma questão que a ciência genética procura esclarecer de vez.



Encontramo-nos nos alvores da 1.ª e maior revolução da História da Humanidade – a Revolução Neolítica. Com epicentro de origem na região do Próximo Oriente, há cerca de 12.000 anos, as suas ondas de impacto “rapidamente” se difundiram por via terrestre, ao longo dos grandes rios e por mar. Progressivamente, “saltitando” por difusão marítima através da costa mediterrânea, estes ecos de mudança acabam por atingir o nosso extremo continental, há cerca de 6.000 anos, num momento em que as indígenas comunidades de caçadores-recolectores e marisqueiros já denotavam uma tendência própria para a fixação em áreas mais demarcadas, estabilizando-se em acampamentos inicialmente sazonais, nas margens de estuários ou em vales de rio, próximos do mar – nichos ecológicos que proporcionavam a exploração de uma ampla diversidade de recursos.
Na prática, o Neolítico traduz-se no advento de um revolucionário pacote de novidades: a técnica da pedra polida (“neo-lítico” 8), a domesticação de animais e de plantas e a descoberta da tecnologia cerâmica.
No âmbito da produção de instrumentos de pedra, além de um evolutivo aperfeiçoamento de técnicas precedentes, surge a técnica da “pedra polida”, designadamente nos machados, também conhecidos por “pedras de raio” 9.
Muito paulatinamente, foram dominados alguns animais selvagens, por cruzamento selectivo de espécimes mais “mansos”, particularmente a cabra, a ovelha, o boi (auroque) e o porco (javali), enquanto o cão há muito que acompanhava fielmente o Homem. Também foram seleccionados e domesticados determinados tipos de cereais (trigo e cevada) e de leguminosas (ervilha, lentilha e fava), emergindo uma “cultura agrícola”.
Por fim, mas não de menor importância, assinala-se a descoberta da tecnologia cerâmica. Os recipientes de barro cozido vão agora possibilitar a transformação dos alimentos ao fogo e o armazenamento e conservação de excedentes agro-pecuários, assumindo, ainda, uma função simbólica nos rituais funerários.
Munidas destas inovações, surgem, então, as primeiras sociedades de pastores-agricultores.
Porém, estes contagiantes elementos, disseminados por gentes neolíticas, não foram contactados e absorvidos de forma linear e homogénea pelas pré-existentes comunidades nómadas de caçadores-recolectores-marisqueiros mesolíticos. É certo que o choque cultural aconteceu, resta saber a que nível.
Com a chegada dos evoluídos grupos de pastores-agricultores, coloca-se um dilema existencial às gentes indígenas pré-estabelecidas, uma escolha determinante para a sua própria sobrevivência: aderir por interacção e aculturação às novas “modas” neolíticas, ou seja, a sua “neolitização”; ou resistir a uma colonização cultural até à extinção.
Uma coisa sabemos com toda a segurança... o Neolítico venceu, as populações misturam-se, crescem, expandem-se e complexificam-se, germinando as futuras desigualdades sociais e intergrupais, antevendo-se, no horizonte, conflitos pelo poder e pelo domínio dos excedentes agrários.
Seja como for, na nossa região, os dados arqueológicos parecem indicar uma certa continuidade, pelo menos ao nível de uma já tradicional actividade económica – o marisqueio. A par da integração dos inovadores itens do pacote neolítico, a apanha de marisco continua bem presente no registo arqueológico durante o Período Neolítico.

Na área de Sagres, no sítio da Cabranosa, os Serviços Geológicos identificaram, em 1970, um povoado precisamente representativo deste período, datado por Carbono14 de há 6.500 anos (Cardoso e Carvalho, 2003). Desde cedo, os trabalhos ali realizados consagraram bibliograficamente a Cabranosa como um sítio-chave para o entendimento do processo de neolitização do território actualmente português (Ferreira, 1970; Guilaine e Ferreira, 1970; Zbyszewski et al., 1981), sendo consensualmente definido como um acampamento-base, excepcionalmente representativo do Neolítico Antigo regional (Cardoso et al., 2001; Carvalho e Cardoso, 2003; Soares, 1997; Soares e Silva, 2003, 2004).


8 “Neolítico” significa “Pedra Nova”, do grego neo = novo + lithos = pedra, conotado com a novidade da Pedra Polida.
9 Curiosa esta denominação popular, explicada pelo facto de estes machados de pedra polida ocorrerem frequentemente em meios rurais, no decurso de trabalhos de lavoura, que na falta de entendimento para a sua verdadeira origem, mas com a percepção de não se tratar de objectos produzidos pela natureza, foram tradicionalmente associados à queda de raios e utilizados como amuletos de protecção doméstica para as trovoadas.

Os Menires de Vila do Bispo

Afinal que significado reveste estes monumentos?
Quando foram erguidos?
Por quem?
Para quê?

Pelo facto de se encontrar em preparação informação mais apurada e completa acerca desta monumental temática regional (entre outras, a divulgar brevemente!), o que aqui se propõe será apenas um “levantar do véu” sobre uma questão envolta em muitos mitos populares e ainda pouco consensual no seio da comunidade (um pouco mais) científica, também repleta de mitos muito próprios...

Proposta (muito) interpretativa inspirada no Menir do Padrão (Raposeira)

Ainda hoje, apesar de um infeliz “apagamento”, sobretudo pela intensa actividade agrícola verificada ao longo dos últimos séculos na região (“o celeiro do Algarve”), estas paisagens são marcadas pela exuberante presença megalítica de um sem-número de menires que, no conjunto, constituem um verdadeiro e valioso ex-líbris regional.
A primeira referência conhecida aos menires do Concelho de Vila do Bispo, ainda que indirecta, poderá ser atribuída ao historiador grego Éforo de Cime, no longínquo século IV antes de Cristo, quando o autor menciona, na sua clássica História Universal, e sobre o Promontório de Sagres, “grupos de três e quatro pedras” objecto de cultos ancestrais. No século I a.C., o historiador, geógrafo e filósofo grego Estrabão, no livro III da sua Geographia, volta a relatar estes “agrupamentos de pedras”, referindo-se a Éforo, citando Artemidoro (geógrafo grego do séc. II a.C.) e denominando o Cabo de São Vicente e a Ponta de Sagres de Hieron akrotérion (Promontorium sacrum):

«É a elevação mais ocidental, não da Europa mas de toda a terra habitada (…) Artemidoro afirma que esteve neste lugar que o assemelha a um navio (…) Assegura que não se vê lá nenhum santuário nem altar a Héracles (nisto mente Éforo), dele ou de algum outro deus, mas que em muitos sítios há grupos de três e quatro pedras, que são pelos visitantes voltadas, em virtude de um costume ancestral, e deslocadas, depois deles fazerem libações; e que não está permitido fazer sacrifícios nem aceder de noite ao lugar, por dizer-se que nessa altura é ocupado pelos deuses, mas os que chegam para contemplá-la pernoitam numa aldeia próxima e logo pela manhã, seguem até lá, levando consigo água que este lugar carece».

Depois destes autores clássicos, foi preciso esperar pelos finais do séc. XIX para se voltar a ouvir falar nas “pedras erguidas” em Vila do Bispo. Por esta altura, Sebastião Philippes Estacio da Veiga, inaugurava, de forma verdadeiramente científica e sistemática, a investigação arqueológica no Algarve, incluindo nos seus trabalhos o Concelho de Vila do Bispo.
Este incontornável pioneiro da Arqueologia Portuguesa realizou a Carta Archeologica do Algarve, entre 1877 e 1878, publicando os resultados das suas campanhas na obra de referência Antiguidades Monumentaes do Algarve - tempos prehistoricos, entre 1886 e 1891, e sobre os tempos historicos, já a título póstumo, entre 1904 e 1910.
Porém, e estranhamente, considerando a percepção actual sobre o nosso território, este exemplar investigador acaba por não documentar um único menir na região de Vila do Bispo! Tal lacuna só poderá ser explicada pelo facto do distinto arqueólogo, face à dimensão hercúlea do seu projecto, ter distribuindo tarefas a informadores e colectores locais, de sua confiança. Acreditamos que, se Estacio da Veiga por aqui tivesse desenvolvido prospecções pessoais, dificilmente lhe teriam passado despercebidos alguns dos vestígios deste nosso património menírico, exemplarmente numeroso e expressivo.
O autor informa que, em 1880, apenas se encontravam inventariados três menires em todo o território nacional, todos no concelho de Vila Velha do Rodão. Em França, na mesma época e por comparação, registavam-se já 1638 menires. Em 1886, e para o Algarve, terminados os trabalhos de campo para a Carta Archeologica, Estacio adenda somente cinco exemplares concretos ao “inventário menírico nacional”, todos na zona de Silves.
Na verdade, naquela época, os menires ainda eram uns “ilustres desconhecidos”.
Ainda assim, com base nas fontes ditas clássicas, dos historiadores gregos já referidos, o nosso incansável pioneiro como que “pressentiu” a real existência de uma presença megalítica na área do promontório sagrado de Sagres, referindo-a, com as devidas reservas, na sua Carta Arqueológica, na qualidade de «antas ou dolmens (destruidos), que mui presumptivamente existiram sobre o solo».
É dessa percepção que aqui fica um justo testemunho e a nossa depurada opinião que os referidos “grupos de três ou quatro pedras”, de que falava Estrabão, se reportam, em coerência, aos característicos menires desta região...



Em 1891, Estacio da Veiga refere no volume IV das suas Antiguidades Monumentaes do Algarve, no sítio do Monte da Pedralva, a fortuita descoberta de três objectos metálicos: “uma fita de ouro grosseiramente batido” e “duas figuras de bronze, de quadrupedes, um touro, um javali (?) com os caninos inferiores de prata”.
Em 1987Carlos Tavares da Silva e Mário Varela Gomes, na sequência dos seus trabalhos para o Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Vila do Bispo (GOMES, M.; SILVA, C.T., 1987), voltam a referir estes artefactos, precisando o Barranco das Colmeias, na Herdade do Arieiro, como local da sua ocorrência, integrando-os em cronologias da Idade do Ferro.
Actualmente, as duas estatuetas zoomórficas encontram-se à guarda do Museu Nacional de Arqueologia.

Seguem-se a referência original destes achados, por Estacio da Veiga:

«Este monte está situado a noroeste e distante uns 5 kilometros de Villa do Bispo, a pouco mais de 4 kilometros da igreja da Raposeira, na mesma orientação, e a sueste pouco mais de 4 kilometros da mina de manganez do Morração, que fica á mesma distancia ao sul da aldeia da Carrapateira. Pertence o dito monte á herdade do Arieiro, onde duas crianças, andando por uma estreita vereda, viram luzir á superfície do chão um objecto, que fôram tirar com o auxilio de uns pedacinhos de madeira. Era uma fita de ouro grosseiramente batido, da largura de 0m,020, feita em pedaços, que media quasi 1 metro de comprimento, a qual parecia cingir duas figuras de bronze, de quadrupedes, um touro, e um javali (?) com os caninos inferiores de prata. A fita sabe-se que foi vendida a um ourives, e as figuras de bronze obteve-as o sr. Judice dos Santos, o qual indagou que no logar do achado ha um filão de mineral e indicios de mina antiga, parecendo queimada ou com residuos de fundição a terra em que estavam os ditos objectos.»

VEIGA, E. da (1891) – Antiguidades Monumentaes do Algarve - Tempos Prehistoricos, vol. IV. Lisboa: Imprensa Nacional, p. 171-176. (Referência completa)

Estampas originais de Estacio da Veiga





Numa extrema paisagem sagrada, onde dois mares e o céu se fundem sob um intemporal altar de rocha, dois negros corvos iluminam um remoto caminho peregrino, para uma ermida perdida no fim-da-terra. 
Nos campos, indiferentes ao passar da História, teimosas gentes, de mãos curtidas mas de credo solto, insistem em domar terras agrestes. Sobre elas, ergue-se uma torre de at-tali'a, dominada por um observador sufi.
No horizonte norte, de passagem, sem portagem, aproxima-se uma cruzada pelo resgate de um mártir, a caminho de São Vicente e da Capital construção de um símbolo fundacional...



A apanha de percebes, na costa ocidental de Vila do Bispo, é uma realidade bem presente na nossa actualidade, constituindo uma identitária manifestação cultural há muito revestida de grande importância na economia regional.
Mas em boa verdade, trata-se de uma actividade que remonta às mais longínquas evidências de presença humana neste território. 
O marisqueio, em particular do percebe, encontra-se significativamente documentado pela investigação arqueológica no  Concelho de Vila do Bispo, em diversos arqueossítos, desde o Paleolítico Superior (pelo menos desde há 33.000 anos!), de forma contínua, até à Modernidade...