Em Sagres/Vila
do Bispo, nas arribas da praia do Martinhal, também conhecida
localmente por Murtinhal, encontra-se identificado um importante centro
oleiro romano, edificado em meados do séc. III. Trata-se de um enorme
edifício de planta rectangular que integra uma cisterna e um forno. Mais perto
da frente marítima foram assinalados mais nove fornos, todos destinados à
produção de ânforas - Almagro 50, Almagro 51C e Almagro 51A-B. Além da produção
cerâmica, o complexo industrial também foi vocacionado para a produção de
preparados piscícolas, situação documentada por cetárias.
Este
arqueossítio romano já se encontra há muito conhecido, designadamente no
Vol. V das Antiguidades Monumentaes do Algarve - tempos historicos, de
Sebastião Philipes Martins Estacio da Veiga (O Archeologo
Português, Vol. XV, Lisboa: Museu Ethnographico Português, pp. 210-211.).
Nos cénicos ilhéus
do Martinhal, situados em frente à praia, também foram registados vestígios
de cetárias de preparados de peixe.
As boas
condições naturais da enseada do Martinhal, protegida dos ventos
de Oeste e Sudoeste pela ponta da Baleeira, terão, certamente, sido propícias à implantação de um pequeno porto de
abrigo – fundeadouro e varadouro.
O conjunto
estrutural e artefactual do complexo romano do Martinhal remete-nos para o
século III-V d.C. A par destes vestígios, naquela área também se
regista cerâmica manual pré-histórica e alguma indústria lítica, documentando
um habitat do Neolítico.
Segue-se o
excerto das referências de Estacio da Veiga dedicadas a este sítio:
«Ao lado de leste da ponta de Sagres está
o ilhéo da Baleeira com muitos vestigios de construcções
romanas arrasadas e numerosos fragmentos de louças. Não houve ali excavações.
Occorre que possa ter sido logar destinado a fundições.
Toda a praia
do Murtinhal, outrora defendida pela famosa fortaleza da
Baleeira, hoje condemnada ao abandono, está cheia de construcções romanas. No
flanco esquerdo da enseada estão á vista notaveis restos de edificios
destruidos. No córte propinquo ao mar mostra ali o terreno camadas de
entulho, mescladas de numerosos fragmentos de louças, e cinzeiros de uma
espessura que varia desde 0m,50 até dois metros. São abundantes os
pedaços de material de construcção de barro cozido, principalmente de tegulas, que
cobrem todo o campo agricultado. Um d’aquelles edificios está ainda bem
conservado, não obstante estar quasi todo soterrado. Nas suas duas paredes
lateraes deixa perceber um começo de abobada semicylindrica, que parece ter-lhe
servido de cobertura. É possível que tivesse sido uma cisterna. Mede
internamente de comprimento 7m,75, e de largura 6m,20, tendo a sua
entrada para SSO., fronteira á fortaleza destruida, e o fundo para NNE. A construcção
e o material de argilla d’este edificio são romanos.
A pouca
distancia se acham visiveis restos de outros edificios arrasados, muitos pedaços
de tegulas e de louças grosseiras, sendo abundantes as extremidades
ponteagudas das amphoras. O meu antigo correspondente e amigo Francisco Xavier
de Paiva me communicou, em 12 de Fevereiro de 1874, ter ali visto ruinas de
banhos e achado um fragmento de louça vermelha com a figura da deusa Isis em
relevo dentro de uma cercadura, e que entre a Baleeira e o
Zavial se acharam pedaços de dois caixões de chumbo, que foram vendidos em
Lagos.
É mui
provavel que os edificios do Murtinhal representem uma fabrica de material de
construcção de barro cozido e ao mesmo tempo uma prospera colonia agricola.
Seria muito
importante a exploração d’aquellas ruinas.»
VEIGA, Sebastião Estacio da (1910) – Antiguidades
Monumentaes do Algarve. Cap. V. Tempos Históricos. O Archeologo
Português, Vol. XV, Lisboa: Museu Ethnographico Português, pp. 210-211.
«O sítio romano do Martinhal constitui hoje um
dos maiores centros oleiros conhecidos da província romana da Lusitânia. Este
conhecimento decorre de várias campanhas de escavação efectuadas nos últimos 20
anos e, sobretudo, pelo aparecimento de múltiplas estruturas e fornos que a
abrasão marítima e o consequente recuo da linha de costa todos os anos põem a
descoberto. Os 10 fornos até hoje identificados – um de cerâmica de construção
e 9 de produção de ânforas – não correspondem, certamente, senão a parte da
totalidade das estruturas de combustão existentes no local.
Com efeito, já
em 1877, Estácio da Veiga, que é quem pela primeira vez faz referência à
importância arqueológica do sítio, constata uma enorme abundância de fragmentos
cerâmicos na praia do Martinhal, para além de se referir a uma cisterna e a um
provável “edifício de banhos” (Veiga 1910: 211).
Em 1971
Fernando de Almeida, G. Zbyszewski e O.V. Ferreira (1971: 157, 159)
especificam, claramente, que este sítio seria um centro oleiro, assinalando
dois fornos em Sagres, sendo, pelo menos um, no Martinhal ou Murtinhal. Já dois
anos antes Saavedra Machado (1969: 345) se referia a restos de mosaicos
encontrados no sítio.
Em 1971, Maria
Luísa Santos visitando o sítio e baseada em notícias anteriores, sobretudo do
seu bisavô Estácio da Veiga, confirma aquelas informações, apresentando uma
planta esquemática e fotografias das estruturas da cisterna que assomavam à
superfície. A partir de então multiplicam-se as referências ao sítio mas sem
acrescentar nada de significativo às informações dadas nas notícias citadas.
O sítio passa
a ser conhecido com algum detalhe a partir de 1987, quando, na sequência do
aparecimento de algumas estruturas na arriba a Este da praia do Martinhal, é
efectuada uma intervenção de emergência coordenada por Carlos Tavares da Silva
e J. Neville Ashworth. Os trabalhos prosseguirão no ano seguinte de novo com a
coordenação do primeiro daqueles arqueólogos e ainda de Virgílio Hipólito
Correia e Nicholas Whitehead. Estas duas campanhas dariam lugar a um artigo
onde foi abordada a produção de ânforas do sítio, uma vez que os trabalhos
incidiram fundamentalmente na arriba onde assomavam alguns fornos, tendo sido escavados
dois deles, outro apenas parcialmente e um quarto apenas identificado (Silva,
Soares e Correia, 1990). No referido artigo caracterizam-se relativamente bem
as características das produções anfóricas e das estruturas a elas associadas (ibidem).
Em 1989, nova
intervenção, desta vez coordenada por Nicholas Whitehead e Teresa Júdice
Gamito, procurou estender a escavação a outras áreas da estação, para além de
prosseguir com os trabalhos junto à arriba, na zona dos fornos. Assim, foram
efectuadas várias sondagens distribuídas pelo sítio arqueológico, nomeadamente
junto à cisterna, com vista a aprofundar o conhecimento do sítio (Bernardes,
2008).
Em 1990,
aquele arqueólogo inglês dirige uma campanha de trabalhos destinada
exclusivamente a estudar os materiais exumados durante as campanhas anteriores
(Whitehead, 1991). As informações recolhidas no decorrer dos 3 anos de
escavações e do estudo do espólio respectivo, dariam lugar a um nunca acabado
mas ainda assim bastante completo estudo monográfico do sítio (Whitehead &
Gamito, s.d.).
Em 2006, como
de novo estivessem a aparecer algumas estruturas na arriba, a C. M. de Vila do
Bispo manifestou interesse em apoiar uma intervenção no local, pelo que
contactou o IPA que, por sua vez, contactou a Universidade do Algarve que
acabaria por levar a cabo mais uma intervenção de emergência no sítio, que
ocorreu entre 17 de Julho e 12 de Agosto de 2006, e foi coordenada pelo autor
destas linhas.»
BERNARDES, João Pedro (2008) – O Centro Oleiro do
Martinhal. Xelb, 8, (Actas do 5.º Encontro de Arqueologia do
Algarve, Silves, 25 a 27 de Outubro de 2007), pp.191-212.
BERNARDES, João Pedro, MORAIS, Rui, PINTO, Inês Vaz, DIAS, Rita (2013) – A olaria baixo-imperial do Martinhal, Sagres (Portugal). In: D. Bernal, L.C. Juan, M. Bustamante, J.J. Díaz y A.M. Sáez (Editores Científicos). Tallers y Focos de Producción Alfarera en Hispania. I Congreso Internacional de la SECAH Ex officina hispana, Cádiz (2011), pp. 317-329.