O Machado Mirense é uma das peças
mais características, e também mais enigmáticas, da Pré-História Portuguesa.
Possui uma distribuição geográfica circunscrita, já que se encontra exclusivamente no litoral, entre as embocaduras dos rios Sado e Guadiana, tendo sido identificado, pela primeira vez, junto ao rio Mira – e daí a sua designação epónima.
Possui uma distribuição geográfica circunscrita, já que se encontra exclusivamente no litoral, entre as embocaduras dos rios Sado e Guadiana, tendo sido identificado, pela primeira vez, junto ao rio Mira – e daí a sua designação epónima.
Pensou-se, outrora, que poderia datar do Paleolítico. Que seria uma peça para usar
na mão, tal como o biface. Por isso se chama
“empunhadura” ao seu “cabo” e “cabeça” à sua parte activa – gume(s). Mas
sabemos hoje que data de épocas mais recentes, podendo enquadrar-se desde o
Mesolítico até à Idade do Bronze, realidade tardia documentada no sítio do
Catalão, em Vila do Bispo [1]. Neste contexto, tratar-se-ia de uma ferramenta
encabada, para usar em actividades agrícolas ou de marisqueiro, por exemplo, quer
na escavação de solos lamacentos, quer na recolha de bivalves.
A longa diacronia da sua utilização, a sua expedita produção, a diversidade das aplicações a que se destinava (um verdadeiro ‘canivete suíço’), a disponibilidade da matéria-prima de base (o grauvaque) e o necessário (re)lascamento para avivar gumes exaustos, explica a expressiva quantidade da sua ocorrência e das respectivas lasca.
A longa diacronia da sua utilização, a sua expedita produção, a diversidade das aplicações a que se destinava (um verdadeiro ‘canivete suíço’), a disponibilidade da matéria-prima de base (o grauvaque) e o necessário (re)lascamento para avivar gumes exaustos, explica a expressiva quantidade da sua ocorrência e das respectivas lasca.
Em boa verdade,
até à data, foi a região de Vila do Bispo que registou as maiores concentrações
de artefactos de tipo "Mirenses", designadamente machados , numa exponencial discrepância que justificaria, justamente,
renomeá-los de "vila-bispenses”.
A sua frequência observa-se um pouco por todo o território de Vila do Bispo, com focos de maior concentração, por exemplo, em áreas como o Monte dos Amantes.
A sua frequência observa-se um pouco por todo o território de Vila do Bispo, com focos de maior concentração, por exemplo, em áreas como o Monte dos Amantes.
De resto, este tipo de machados
multifuncionais, fabricados por talhe e bojardagem da pedra, antepassados (e
contemporâneos!) do machado de pedra polida, encontram-se em quase todas as
culturas dos alvores do Neolítico da bacia do Mediterrâneo e do resto do Mundo.
Em Marrocos, em sítios arqueológicas do Neolítico, são conhecidas peças muito idênticas
ao machado mirense, por vezes às centenas e até aos milhares, sendo aí ligadas
ao trabalho da terra e à extracção de recursos como o sal!
[1] CORREIA, Jorge Estevão (2007) – O Sítio do Catalão e o Barlavento Algarvio na Transição do Calcolítico
para a Idade do Bronze. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve. Faro.
ZBYSZEWSKI, G.; VEIGA FERREIRA, O. da; LEITÃO, M. e NORTH, C. T. (1972) – Contribuição para o conhecimento das Indústrias Mirenses de Vila Nova de Milfontes. In O Arqueólogo Português, Vol. VI, pp. 103-118.
CARDOSO, João Luís; GOMES, Mário Varela (1997) – Caracterização do Machado Mirense. Os Materiais de Monte dos Amantes (Vila do Bispo, Algarve). Setúbal Arqueológica, Vols. 11-12. Setúbal, pp. 121-146.
Alguns exemplares recentemente recolhidos à superfície nas
paisagens arqueológicas de Vila do Bispo:
Fotografia de Ricardo Soares