Feliz quem tem uma PEDRA em SAGRES

Palavras-chave | Keywords

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O sítio do Catalão (Cruz da Rata) | Sagres

Prospecções na área do sítio do Catalão (Setembro, 2014)
indústria "Mirense" (abundantes lascas e uma metade distal de 1 grande machado em grauvaque), 1 peso de rede sobre seixo (?); 1 movente-percutor (grauvaque); 1 fragmento de dormente de mó manual (grauvaque); raros restos de talhe e 1 núcleo de sílex; fragmentos em lasca de xisto de tipo "ardósia" (exógeno!); diversos restos de fauna malacológica (conchas de mexilhão, lapa, amêijoa, caramujo e búzio); diversos fragmentos de cerâmica manual, designadamente correspondentes a pequenas taças carenadas de pastas finas, a grandes contentores com paredes internas brunidas e 1 fino bordo com perfuração de suspensão.

O texto que se segue consiste num resumo produzido a partir da leitura da Tese de Mestrado de Jorge Correia (UALG), acerca da jazida arqueológica do Catalão, um interessante e raro sítio enquadrável na transição do Calcolítico (vulgo Idade do Cobre) para a Idade do Bronze.


Introdução
O local designado por Catalão é mencionado pela primeira vez no Levantamento Arqueológico de Vila do Bispo, onde se regista a ocorrência de evidências, nomeadamente “(…) indústrias sobre seixos e sobre lascas, algumas de tipo ‘mirense’, assim como artefactos de pedra polida (…)” (Gomes e Silva, 1987:59), ocorridas ao longo de vários períodos.
Entre 1996 e 2001 decorreu o projecto A Ocupação Humana Paleolítica do Algarve, sob a orientação e responsabilidade do Nuno Bicho, que permitiu localizar algumas dezenas de sítios arqueológicos, nomeadamente o Catalão, cujos contextos frequentemente revelaram economias relacionadas com o litoral.
O sítio do Catalão 1 foi detectado em 1998 através da presença de variados vestígios, nomeadamente fragmentos de cerâmica, valvas de moluscos marinhos e de um “machado mirense” localizados no rebordo da cratera resultante da extracção de areia, que consequentemente, terá destruído parte significativa da jazida arqueológica (Bicho, 2000).
Posteriormente e em sequência do projecto supramencionado, desenvolveram-se outros dois, respectivamente sob a orientação de Professor Doutor Nuno Bicho e de Doutor António Faustino Carvalho, (A Importância dos Recursos Aquáticos no Paleolítico do Algarve e O Processo de Neolitização do Algarve). No segundo caso os objectivos assentaram sobretudo na investigação dos contextos conquíferos dos sítios detectados, e foi no âmbito deste que se efectuaram os trabalhos de escavação relativos ao sítio do Catalão.

Localização
O sítio arqueológico, denominado Catalão 1, localiza-se na região SW do Algarve, bem exposta ao clima francamente Atlântico. Situa-se geograficamente no local conhecido por “Cruz da Rata”, Freguesia de Sagres, Concelho de Vila do Bispo, Distrito de Faro, a uma cota de 95 metros.
Encontra-se a cerca de 5,2 Km, para sudoeste da vila de Vila do Bispo e dista de 2 e 4,2 Km da costa W e S respectivamente.

Os trabalhos Arqueológicos
O sítio do Catalão 1 encontra-se implantado num antigo areeiro que na consequência da sua exploração destruiu uma parte significativa da jazida arqueológica. Do corte, exposto pela acção daquela actividade extractiva, foi possível recolher restos de cerâmica, valvas de moluscos marinhos (datados pelo radiocarbono de finais do III milénio a. C.) e vários machados mirenses. As evidências indicam que a ocupação teve lugar no sopé da vertente Sul da duna.
As escavações realizaram-se, sob a direcção de António Faustino Carvalho, entre 19 e 22 de Agosto de 2002, após a observação de que o sítio se encontrava em processo de erosão, sendo o registo do seu contexto e a urgente salvaguarda do sítio da erosão subsequente uma prioridade.
Na limpeza sumária de corte efectuada anteriormente por Nuno Bicho recolheu-se um conjunto de conchas que resultaram numa datação absoluta de cerca de 3.600 BP (cerca de 1.900 cal AC). Esta cronologia insere o Catalão no período de transição entre o Calcolítico e a Idade do Bronze.

A questão “Mirense”
Podemos concluir, confirmando, segundo os novos dados retirados do Catalão, que o utensílio (machado mirense) que caracterizava a “cultura mirense” não se encontra exclusivamente associado a essa cultura, uma vez que a sua utilização perdura, efectivamente, até ao início da Idade do Bronze. Desta forma deixa de fazer sentido pensar nos machados mirenses como fósseis-directores do Mirense.

Interpretações
As evidências arqueológicas, relativas ao Catalão, são efectivamente bastante reduzidas, o que dificulta, de certa forma, a formulação de uma interpretação mais aprofundada e abrangente do sítio. Sem dúvida que este facto se deve em particular à destruição quase total do sítio devido à exploração do areeiro. Podemos, contudo, e com base nos escassos vestígios, tentar decifrar qual o seu papel em termos económicos e sociais.
No que respeita à sua funcionalidade podemos, efectivamente, inferir que se trata de um acampamento funcionalmente especializado, que serviu como local de apoio à exploração dos recursos costeiros, nomeadamente o marisqueio, possivelmente a pesca, como testemunha a presença de um possível peso de rede. O aprovisionamento de sílex algarvio também pode ter sido um dos factores locativos para o Catalão, uma vez que essa matéria-prima se localiza a menos de 3 km do Catalão.
As prováveis funções de que foi palco o acampamento terão, de certa forma, estado relacionadas com as actividades inerentes à exploração dos vários recursos, como a preparação dos vários equipamentos (por ex. fabrico de utensílios líticos, arranjo de redes e processamento de alimentos entre outros). O processamento no local dos recursos alimentares tem como fundamento a presença de duas estruturas de combustão e recipientes de cerâmica, verosimilmente utilizados para tal fim. A presença de um suposto peso de rede, leva a crer que poderá ter ocorrido naquele acampamento arranjos e preparações de redes de pesca.
Relativamente à ocupação do sítio em termos de duração e altura do ano parece, segundo as evidências, revelar uma ou mais curtas estadias. Esta ilação fundamenta-se, em primeiro lugar nas características do sítio, efectivamente por se tratar de um acampamento especializado sem estruturas arquitectónicas de habitação; em segundo lugar na presença de duas estruturas de combustão, possivelmente relacionadas com uma ou duas estadias no sítio; em terceiro lugar, a quantidade reduzida de restos faunísticos unicamente de natureza malacológica, revela refeições pouco numerosas. Não podendo ser descartada a hipótese de haver outros alimentos de natureza mais perecível, como por exemplo carne seca e legumes, entre outros, em último lugar, a reduzida quantidade de artefactos, tanto em termos quantitativos como em termos de diversificação, anuncia um sítio especializado na recolecção de marisqueio e pesca, actividades que se praticavam, por hipótese, sazonalmente. Estas actividades poderiam ocorrer a partir da Primavera e durante o Verão, visto que estas estações se manifestam como períodos climatéricos mais propícios a estas actividades.
A diversidade e quantidade de recursos secundários, nomeadamente agrícolas, que possivelmente se encontravam disponíveis dentro de uma área com esta extensão seriam de certa forma vitais para a sobrevivência deste grupo. O acesso a tais recursos, possivelmente, seria efectuado recorrendo a embarcações, visto que durante a Idade do Bronze o conhecimento e recurso à arte de navegar constituía um papel fundamental para comunidades cuja relação com os meios aquáticos era fundamental para a sua sobrevivência, tal como é evidenciado por Van de Noort, et al., (1999), segundo os vestígios de uma embarcação na praia de Kilnsea (Yorkshire, Inglaterra), datado de 1870-1670 BC. Este meio de transporte terá sido fundamental em termos económicos, visto que diminuía o tempo necessário para efectuar a ligação entre a costa e o interior, utilizando as várias vias fluviais, nomeadamente o Rio Arade, o Rio de Alvor e a Ribeira de Aljezur, permitindo trocas de bens entre outras comunidades, possivelmente com Alcalar e Corte Cabreira.
De certa forma, as evidências arqueológicas do Catalão revelam um grupo, aparentemente pouco ou nada complexo, ilação baseada na ausência de vestígios denunciadores de actividades de natureza ritual e hierarquizante. Com este facto podemos propor a tese de que existiram paralelamente às comunidades contemporâneas, de certa forma mais distintas e complexas, como revelam as evidências arqueológicas revistas nos capítulos anteriores, realidades diversificadas e estruturadas sobre bases económico-sociais diferentes e aparentemente menos complexas durante a transição do Calcolítico final e o Bronze inicial.
O acampamento do Catalão segundo as suas características terá possivelmente, por um lado, sido frequentado por indivíduos oriundos de povoados localizados no hinterland e sustentados economicamente pela agropecuária. Estes indivíduos terão explorado os recursos marinhos sazonalmente de modo a complementar os recursos explorados anualmente pela comunidade. Por outro lado, podemos estar perante um grupo que possui identidade cultural própria, adoptada ao meio marinho, e que explora estes recursos ao longo da faixa costeira de modo permanente. Estes recursos terão possivelmente servido como moeda de troca por outros bens entre este grupo e outras comunidades localizadas mais no interior.
Relativamente ao aspecto locativo é interessante observar que o Catalão se encontra a cerca de 2km da costa, modelo ou estratégia que parece divergir dos padrões verificados noutros sítios especializados, nomeadamente uma maior proximidade da fonte dos recursos, tal como acontece nos sítios estudados por Silva e Soares (1997), do qual são exemplos Montes Baixos, Oliveirinha (Bronze Médio), Palheirão Furado (Bronze Antigo), Vila Nova de Milfontes – ETAR (Calcolítico). Todos estes sítios se encontram perto das arribas com alguma proximidade dos recursos marinhos explorados.
É justo, com base nesta observação, questionar se realmente este acampamento estava unicamente viabilizado para a exploração do marisco e pesca ou terá havido outro recurso mais próximo de maior importância e cujas evidências não surgiram nos registos arqueológicos?
A cerca de 100 m do Catalão localiza-se uma necrópole, Catalão 2, de onde fora exumado um recipiente cerâmico. A idêntica composição das pastas provenientes dos dois sítios levanta a hipótese de estes terem sido utilizados pela mesma comunidade ou por grupos idênticos. De certa forma a presença desta necrópole e a existência de terrenos com solos de boa aptidão agrícola, ainda hoje agricultados, leva-me a supor, hipoteticamente, que poderá ter existido um habitat permanente localizado nas proximidades. É evidente que estas hipóteses só poderão ser fundamentadas e provadas recorrendo a futuros trabalhos de prospecção no terreno.
Concluídas as análises possíveis a um sítio com estas características, é fundamental deixar uma nota final no que diz respeito a muitos sítios que aparentemente não revelam grandes exuberâncias materiais e que por esta razão ficam por estudar por parte da grande maioria dos investigadores, mas que poderão ainda vir a revelar-se. Este foi o caso do Catalão que, após um estudo aprofundado, revelou evidências importantes que vieram preencher hiatos e consolidar teses que careciam de dados sustentáveis na investigação arqueológica.