Em
1891, Estacio da Veiga refere no volume IV das suas Antiguidades Monumentaes do Algarve, no sítio do Monte da Pedralva,
a fortuita descoberta de três objectos metálicos: “uma fita de ouro grosseiramente batido” e “duas figuras de bronze, de quadrupedes, um touro, um javali (?) com os
caninos inferiores de prata”.
Em 1987, Carlos Tavares da Silva e Mário
Varela Gomes, na sequência dos seus trabalhos para o Levantamento Arqueológico do
Algarve – Concelho de Vila do Bispo (GOMES, M.; SILVA, C.T.
(1987) – Levantamento Arqueológico do
Algarve. Concelho de Vila do Bispo. Vila do Bispo: Secretaria de Estado da
Cultura), voltam a referir estes artefactos, precisando o Barranco das
Colmeias, na Herdade do Arieiro, como local da sua ocorrência, integrando-os em
cronologias da Idade do Ferro –
século IV a.C.
Actualmente,
as duas estatuetas zoomórficas encontram-se à guarda do Museu Nacional de
Arqueologia.
Segue-se
a referência original destes achados, por Estacio da Veiga.
VEIGA, E. da (1891) – Antiguidades Monumentaes do Algarve - Tempos
Prehistoricos, vol. IV. Lisboa:
Imprensa Nacional, p. 171-176.
Monte da Pedralva (Vol. IV p. 171-176)
«Este monte está situado a noroeste e distante uns 5 kilometros de Villa do Bispo, a pouco mais de 4 kilometros da igreja da Raposeira, na mesma orientação, e a sueste pouco mais de 4 kilometros da mina de manganez do Morração, que fica á mesma distancia ao sul da aldeia da Carrapateira. Pertence o dito monte á herdade do Arieiro, onde duas crianças, andando por uma estreita vereda, viram luzir á superfície do chão um objecto, que fôram tirar com o auxilio de uns pedacinhos de madeira. Era uma fita de ouro grosseiramente batido, da largura de 0m,020, feita em pedaços, que media quasi 1 metro de comprimento, a qual parecia cingir duas figuras de bronze, de quadrupedes, um touro, e um javali (?) com os caninos inferiores de prata. A fita sabe-se que foi vendida a um ourives, e as figuras de bronze obteve-as o sr. Judice dos Santos, o qual indagou que no logar do achado ha um filão de mineral e indicios de mina antiga, parecendo queimada ou com residuos de fundição a terra em que estavam os ditos objectos.
Monte da Pedralva (Vol. IV p. 171-176)
«Este monte está situado a noroeste e distante uns 5 kilometros de Villa do Bispo, a pouco mais de 4 kilometros da igreja da Raposeira, na mesma orientação, e a sueste pouco mais de 4 kilometros da mina de manganez do Morração, que fica á mesma distancia ao sul da aldeia da Carrapateira. Pertence o dito monte á herdade do Arieiro, onde duas crianças, andando por uma estreita vereda, viram luzir á superfície do chão um objecto, que fôram tirar com o auxilio de uns pedacinhos de madeira. Era uma fita de ouro grosseiramente batido, da largura de 0m,020, feita em pedaços, que media quasi 1 metro de comprimento, a qual parecia cingir duas figuras de bronze, de quadrupedes, um touro, e um javali (?) com os caninos inferiores de prata. A fita sabe-se que foi vendida a um ourives, e as figuras de bronze obteve-as o sr. Judice dos Santos, o qual indagou que no logar do achado ha um filão de mineral e indicios de mina antiga, parecendo queimada ou com residuos de fundição a terra em que estavam os ditos objectos.
Ora, a
mina que se conhece hoje mais proxima do Monte da Pedralva, como já disse, é a
de manganez do Morração, cujo reconhecimeto foi feito em 1886 pelo sr. Neves
Cabral, no serro do Canafrechal, com seguimento para oeste e terminando em
escarpa abrupta na propinquidade do oceano entre a praia da Fuzelha e a do
Amado; mas na sua estatistica mineira, publicada em 1886, não a cita; nota,
porém, que o manganez forma jazigos em massa ou bolsadas de configuração
lenticular intercaladas na estratificação dos schistos e quartzites.
«Estes
jazigos, diz o distincto engenheiro de minas, acompanham muito de perto, tanto
em Portugal corno na provincia hispanhola de Huelva, os jazigos pyrito-cupriferos
que occupam a mesma zona.»
Portanto,
é mui provavel que alli perto se tivessem achado em antigos tempos alguns
minerios de cobre e que os vestigios de fundição não fôssem de manganez, mas de
cobre, ou de bronze.
Todas
estas circumstancias são porém insufficientes para que se possa determinar a
epocha a que pertencem as figuras de bronze e essa fita de ouro, que não
cheguei a observar, mas que, a ser exacta a informação dada ao sr. Judice dos
Santos pelo camponez que a vendeu a um ourives, representa um trabalho
primitivo, se com effeito foi estendida a choques de percutor e ainda os
deixava perceber. Póde pois ter sido um adorno similhante áquelle que figuro na
est. IV sob n.º 2, achado com instrumentos
de cobre no monumento n.º 4, de Alcalá, cujo trabalho tosco estivesse ainda em
uso quando foram fundidas as duas figuras de bronze que represento nas estampas XX e XXI; poderá porém a configuração, a fusão e o preparo das figuras
deixar ao menos presumir a epocha da sua fabricação? Faltam exemplos do mesmo
genero nos museus nacionaes, achados em condições archeologicas conhecidas e
classificadas com seguro fundamento; porque geralmente nos museus e na grande
maioria das collecções particulares só se pretende que entre toda a casta de
cousa que se tenha achado em qualquer parte, e nada se registra em devida
regra, havendo por isso objectos que seriam de apreciavel importância, se fôssem
conhecidas as localidades e condições dos seus jazigos.
É,
portanto, preciso recorrer a meios estranhos para se ficar percebendo alguma
cousa.
A est. XX, permite julgar que o auctor do
original que ella representa, teve os melhores desejos de figurar um touro,
pois até certo ponto conseguiu traçar no molde um delineamento tal, que deixa
adivinhar ter sido esta a sua intenção. O touro saíu porém um tanto mocho. O
molde que deveria ter empregado para ornar a fronte pouco taurina do animal,
foi o que elle inseriu no logar da cauda. A respeito de orelhas, mal se percebe
o logar que deviam occupar, e o focinho ficou mais agudo que trombudo. As
pernas dianteiras são muito mais robustas que as trazeiras; a direita mede na
espessura superior, metade da altura do abdomen á linha, dorsal; foi porém
muito cuidadoso em rachar as unhas ao bicho, mas não atinou com a fórma das
patas: entretanto, mostra ter-se querido esmerar na perna direita posterior, accentuando
com farto engrossamento lateral a articulação dos dois ossos, deixando porém a
tibia talvez quatro vezes mais curta que o femur: emfim; em vez de boi saíu-lhe
um monstro em attitude de marchar para a direita.
Comparado
com a figura do boi, representada nas mais antigas moedas de legendas
peninsulares, é mister inscrever este conjunto de imperfeições n’outra epocha
muito anterior á da cunhagem d’aquellas moedas, quer seja na primeira idade do
ferro, ou talvez ainda nos ultimos tempos da idade do bronze, tanto mais se
confrontarmos a rudeza da cabeça d’esse aleijão bovino com a em que remata um
picarete de alvado central, de tromba bicornuta, achado em Jelabugy, que Worsaae
nos mostra estampado com o n.º 7, pag. 44, como um dos representantes da idade
do bronze na Russia.
É porém
ainda muito mais brutesca a figura da est.
XXI, companheira do touro de Pedralva, cuja representação intencional é
para mim um tanto duvidosa, não se podendo affirmar se o cinzelador que deu o
modelo para a fundição quiz figurar um javali, um hyppopotamo, ou a sua própria
imagem.
Observando-se
attentamente a configuração da cabeça, das orelhas, dos olhos, da tromba
descommunalmente larga, da cauda simplesmente assignalada, da linha dorsal mui
arqueada, da enorme grossura das pernas sem signal de articulações, e das patas
rematadas em saliente e espesso calcaneo, não parece que tantas
desconformidades se juntassem ao mesmo tempo com o fim de se representar um
javali.
Parece-me
approximar-se um tanto menos impropriamente do hyppopotamo, comquanto não se
possa dizer que fôra isso mesmo que o artista
havia pretendido figurar, porque nenhum dos dois viventes ficou sendo reconhecivel;
e comtudo o auctor julgou ter tão perfeitamente conseguido o seu desenho, que
para melhor o dar a conhecer teve ainda a singular habilidade de lhe encravar
dois mui salientes caninos de prata na enorme mandibula.
A arte
de fundir o bronze é que estava muito atrazada; pois cada peça, toda crivada de
bolhas de ar e de cavidades resultantes de substancias terrosas que correram
com o minerio derretido, parece antes formada de escoriaes do que de bronze; o
que, em vista de tal impureza, permitte presumir que o mister da fundição
estava ainda pouco experimentado.
No
museu de Evora ha um javali de bronze cujos delineamentos já são regidos pelo
sentimento artistico do modelador; mas não se sabe onde e como foi achado; não
parece, porém, que ultrapassasse as raias do dominio romano, e se assim é, aqui
temos, pela comparação, mais um argumento em abono da maior antiguidade dos
exemplares de Pedralva, os quaes, com as devidas reservas, incluo n’uma das
phases da idade do bronze, tendo em vista o primor artistico que assignalou os
ultimos tempos d’essa idade.
Mas que
representação tinha o boi e o javali? Não seriam symbolos de um culto
supersticioso?
N’este
caso, teria de considerar os dois monstruosos animalejos do Monte da Pedralva
como idolos de uma seita religiosa; mas D. Antonio Delgado considera o javali e
o touro como emblemas de duas raças, que
vieram povoar a peninsula, porque seguiu á risca o preceito de considerar desertos todos os territorios do mundo
emquanto a unidade asiatica não
operou a sua universal diffusão! O javali ou cerdo era, em seu entender, o
emblema dos celtas, que os gregos disseram ter sido os povoadores do Occidente.
Delgado
quiz porém ir mais longe, dizendo que os taes celtas tinham abrangido os
aborigens procedentes das mesmas raças que povoaram a Atlantida ou os valles do
Mediterraneo anteriormente ao cataclismo que separou o Calpe e o Abyla, abrindo
o estreito que uniu aquelle mar com o Atlantico; mas nem os gregos designaram a
epocha em que os celtas vieram ocupar
o Occidente, nem Delgado indicou aquella em que desappareceu a Atlantida e em
que baqueou a ponte que ligava a Europa á Africa; e assim se tem sempre trazido
illudidos os espiritos, affirmando varios auctores o que não podiam de modo
algum comprovar, confundindo celtas com phenicios e symbologias relativamente
recentes com factos geologicos que nunca chegaram a perceber; pois não se póde
entender com que apropriado fundamento o javali e o boi, dois mammiferos da
fauna terciaria da Europa, ficassem symbolisando umas migrações asiaticas, que
por emquanto apenas se sabe terem chegado aos dominios da imaginação que as
inventou e propagou com tal expansibilidade, que a propria Atlantida de Platão
não lhes pôde escapar.
Não são
as iconographias numismaticas dos tempos historicos que podem esclarecer o
significado dos idolos que tiveram culto supersticioso nas idades
paleoethnologicas.
Por
exemplo, a vacca, diz o sr. Bouillet, era adorada no Egypto sob o nome de Isis
e hoje mesmo tem culto particular entre os indios, porque estes povos pensam
que no corpo d’esses animaes passa a residir a alma dos bons, e por isso a
vacca logra plena liberdade em meio d’aquelles descendentes dos civilizadores
do mundo e a immunidade protectora da vida, porque seria grande crime matar uma
vacca, o paraizo das almas dos
índios!
Não
trato aqui cultos peninsulares senão muito incidentemente. Os especialistas que
desenvolvam este vasto assumpto. Entretanto, deve-se entender que ao touro
compete na peninsula uma iconographia especial, que os romanos parece terem
achado; pois elle é representado nas moedas dos indigenas e nas romanas, em
monumentos dos proprios deuses, como se observa n’um d’aquelles pertencentes ao
grupo do Endovélico ou Endovólico, ultimamente descobertos pelo sr. Leite de
Vasconcellos, e porventura em edificios publicos, a que pertenciam as duas
toscas cabeças de pedra que em Beja foram achadas e mettidas na face externa da
parede de uma igreja, que pega com a rua do Touro.
Se no
corpo do javali tambem entrava alguma essencia sublime, não o sei dizer. O que
julgo dever entender é que a vida do javali e do boi não estava absolutamente
protegida por um qualquer culto religioso, por isso que são numerosos os ossos
que d’esses e de outros mammiferos tenho encontrado em depositos prehistoricos
e historicos de varias idades, como significando que o principal preceito que
elles inspiravam, consistia em se lhes aproveitar a carne e abandonar os ossos.
. . D’este modo, sendo assim considerada a utilidade d’esses animaes, é
possível que os seus vultos em bronze não symbolisem idolos de adoração, mas
simplesmente memoraveis emblemas da mais apreciavel alimentação dos povos.
Muito
podéra eu aqui compilar ácêrca do que se tem escripto, relativamente ao javali
e ao boi; mas deixo esta especial erudição a quem tenha mais tempo disponivel
para poder dar a este assumpto maior amplitude.
Com a
indispensavel reserva dou ao Monte da Pedralva as honras de estação (?) da
idade do bronze.»
Estatueta votiva de javali em bronze e presas de prata
Ex-voto em bronze e prata, representativo de um provável animal sacrificado aos deuses da região do Promontorium Sacrum.
Tem aspecto compacto, superfície irregular, embora apresenta alguns aspectos destacados como a coluna dorsal saliente; cresce em altura de trás para a frente, a cauda é muito curta, possui grandes cascos, os olhos são assinalados pelas pálpebras em relevo e as narinas são dois orifícios redondos bem visíveis, do focinho saem duas presas em prata.
Idade do Ferro - séc. II-I a.C.
Altura 8 cm
Largura 4 cm
Comprimento 12 cm
N.º de Inventário 17925
Estatueta votiva de touro em bronze
Ex-voto em bronze, representativo de um provável animal sacrificado aos deuses da região do Promontorium Sacrum.
Tem aspecto compacto, superfície irregular, pescoço grosseiro, pernas volumosas e bastante distantes, com cauda pendente e afastada do corpo, focinho afilado, chifres pequenos, olhos e narinas quase imperceptíveis.
Idade do Ferro - séc. II-I a.C.
Altura 7 cm
Largura 4 cm
Comprimento 12 cm
N.º de Inventário 17924
Esboços de uma História, segundo a visão criativa de
Vítor Fragoso
(um talentoso Artista local)